MANDATO - DEFINIÇÃO - ELEMENTO ESSENCIAL



            O Código Civil Brasileiro, a exemplo do que acontece com outros institutos jurídicos, não define o mandato, mas limita-se a indicar as circunstâncias da sua ocorrência, caracterizando os seus elementos básicos.
            Dessa forma, o art. 653 esclarece sobre a figura do mandato:
            "Opera-se os mandato, quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses".
            Do preceito legal tem decorrido a maioria das definições propostas pelos autores objetivando precisar o instituto; todavia, estas, de maior ou menor extensão, não apresentam entre si grandes diferenças.
            Em "Contratos no Direto Civil Brasileiro", M. I. Carvalho de Mendonça define o mandato como sendo "um contrato pelo qual alguém constitui a outrem representante, investindo-o de poderes para executar um ou mais de um ato jurídico".
            Martinho Garcez, citado por Plácido e Silva em seu "Tratado do Mandato", conceitua-o como o "contrato pelo qual alguém confia a outrem a gestão de um ou mais negócios, gratuita ou onerosamente, operando o mandatário e obrigando-se em nome do mandante".
            Da definições apresentadas e do preceito legal parcialmente transcrito, deriva o conhecimento do elemento essencial do mandato, aquele que o diferencia de outros institutos bastante próximos como o contrato de sociedade, a locação de serviços e a gestão de negócios, etc., que é a representação do mandante pelo mandatário.
            Neste instituto, o mandatário age em nome do mandante, obrigando-o para com terceiros e terceiros para com ele. No cumprimento do seu objeto, dentro dos poderes conferidos, os atos praticados pelo mandatário são estendidos como se tivessem sido realizados pelo próprio mandante.
            Se, entretanto, a representação é o elemento essencial do mandato, não é ele a sua única fonte, pois também são representantes os pais, cônjuges, tutores e curadores.
            Destarte, existem circunstâncias de mandato sem representação, como ocorre na comissão, em que o comissário age e se obriga em seu próprio nome, ou, como no mandato em causa própria, no qual o interesse do mandatário no negócio é igual, senão superior ao do mandante.


NATUREZA DO MANDATO


            O mandato classifica-se como contrato bilateral, pois cria obrigações para ambas as partes. A reciprocidade de deveres, além daqueles que podem ser estipulados livremente, derivam da própria lei. Compete ao mandatário, entre outros, agir diligentemente na execução das tarefas indicadas pelo mandante; cabe ao mandante indenizar ao mandatário das despesas feitas para atingir o objetivo colimado.
            É ainda o mandato um contrato consensual, porque nele intervêm duas vontades, a do mandante designando alguém para, em seu nome, praticar um ou mais atos, e do mandatário, anuindo em levar a efeito a incumbência.
            A aceitação do mandato, que cria todo um conjunto de relações jurídicas, pode ser expressa ou tácita. A primeira quando verificar-se clara a declaração do mandatário; a segunda resulta do começo da execução da tarefa recebida (art. 659 do Código Civil).
            A prova da aceitação tácita ou a negativa da presumida pode ser feita por todos os meios admitidos em direito, inclusive testemunhas.
            Ainda sobre a aceitação do mandato, esclarece J. M. de Carvalho Santos: "O mandatário, ao aceitar o mandato, aceita-o necessariamente para executá-lo tal qual lhe foi proposto. O mandato é indivisível, não lhe sendo lícito, por isso mesmo, aceitá-lo em parte e recusá-lo em outra, assim como não pode aceitá-lo sob condição".


OBJETO E FORMA DO MANDATO (PROCURAÇÃO)
CAPACIDADE DAS PARTES


            O mandato, como ato jurídico, pressupõe agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.
            Os elementos sobre capacidade para contratar mandato, serão examinados adiante, sendo desnecessário, também, alongar-se sobre o seu objeto, pois somente os que não infringirem a lei, a moral ou os bons costumes, podem ser convencionados. Naturalmente, a ninguém é permitido constituir mandatário para o cometimento de delito.
            Todavia, embora lícitos, certos atos não são passíveis de serem praticados através de mandatário, pois envolvem circunstâncias personalíssimas, impossíveis de serem exercitadas por outrem. Nesta situação se encontra a obra de um artista, que, pela condição especialíssima do seu trabalho, a sua execução não pode ser transferida a outrem.
            Por outro lado, entre a tarefa a executar e o mandatário deve existir a qualificação específica ou habilitação legal, necessária à sua conclusão. Um engenheiro, um arquiteto ou um advogado não poderiam constituir procurador, para execução de serviços dentro dos respectivos misteres, quem não possuísse a condição de engenheiro, arquiteto ou advogado.


PROCURAÇÃO


            O instrumento do mandato é a procuração, qual se configura a sua forma e se comprova, facilmente, o seu objeto e a extensão dos poderes pelo mandante.
            Plácido e Silva, em sua obra, esclarece sobre o assunto: "A procuração, pois, é a escritura do mandato, embora, por extensão, sirva para designar o próprio mandato que por ela se confere. Desse modo, pode ser definida como o documento ou o título, mediante o qual uma pessoa, o mandante, por escritura particular ou por escritura pública, dá a outrem, o mandatário, poderes para, em seu nome e por sua conta, praticar atos ou administrar interesses e negócios".
            Se de um lado, a procuração, como se viu, é o instrumento do mandato, não se subordina este à existência daquela, pois o mandato também se configura sem procuração. É o caso do mandato verbal e do mandato tácito ou presumido.
            O importante é salientar que o mandato outorgado por procuração se reveste da forma perfeita e inequívoca, além de imprescindível para a prática de certos atos.
            Estatui o artigo 657 do Código Civil:
            "A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito".
            A Procuração sempre escrita, se classifica em:

            a) por instrumento público ou particular;
            b) por telegrama;
            c) "apud acta";
            d) com "caução de rato".


INSTRUMENTO PÚBLICO


            Em face da redação dos artigos 654 e 655 do Código Civil, não pode mais dúvida persistir quanto à validade do instrumento particular, sem restrições, quando o mandante é capaz e pode estabelecer por escrito sua vontade:

            Art. 654 - Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
            § 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
            § 2o O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.

            Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.

            A questão foi debatida, inclusive pelos Tabeliães de Notas, como esclarece João Batista Arruda (Manual de Procurações): "Sobre este assunto não pode mais haver controvérsia. Ele serviu de tema discutido no Congresso Notarial Brasileiro, que decidiu por unanimidade que, em face do artigo 1.291 do Código Civil (reverindo-se ao código de 1916), os instrumentos particulares de procuração devem ser aceitos, mesmo nas escrituras para as quais, como substância, a lei exija instrumento público".
            Matéria incontroversa em face da clareza da lei, cumpre-nos observar, entretanto, que o uso ilimitado do instrumento particular pode provocar graves danos, a começar pela possibilidade do desaparecimento de instrumento particular, usado em escritura pública, mesmo quando devidamente registrado no livro próprio, pela impossibilidade de poder ser feita perícia para a conferência de assinaturas.
            Por isso parece-nos que nos Cartórios de Notas devem ser exigidas precauções mínimas para a segurança das transações e para resguardo da responsabilidade do serventuário.
            A primeira delas é alertar as partes sobre o perigo da aceitação da procuração particular, sendo lícito à que compareceu exercer o direito de exigir procuração do ausente por instrumento público; se a parte aceitar a procuração particular, deve ser mencionado no corpo da escritura que o instrumento particular foi exibido à parte, que o achou bom e aceitou sua validade. Além disso, deverá a procuração ser transcrita no livro próprio de registro do cartório, sendo conveniente, de maneira especial, que previamente seja transcrita no Registro de Títulos e Documentos.
            Casos há, entretanto, em que a procuração por instrumento particular não pode ser admissível para que o procurador não se possa acusar de ter agido com fraude ou coagido o outorgante.
            Dessa maneira, o menor púbere que outorga procuração assistido por seu responsável legal deve fazê-lo por instrumento público, o mesmo procedimento se adotando em relação aos interditos.
            Do mesmo modo os analfabetos e os cegos devem passar procuração por instrumento público para que haja segurança de que realmente sua manifestação de vontade não foi fraudada.
            A esse respeito vale a pena transcrever a observação de Arruda, no livro já citado: "Não obstante a liberalidade do nosso Código concedida para facilitar a outorga do mandato, é aconselhável e preferível o instrumento público ao particular, visto como o notário tem obrigação de o lavrar com todas as formalidades legais, o que não acontece com o particular, que nem todos podem fazer de acordo com a lei."


PROCURAÇÃO POR INSTRUMENTO PARTICULAR

            Até a vigência da Lei nº 3.167, de 03/06/1.957, havia controvérsias quanto à extensão do uso da procuração por instrumento particular e, ainda, quanto aos requisitos do mesmo.
            Ressalvando, como já fizemos, nosso ponto de vista recomendando, sempre que possível, o uso do instrumento público, como garantia de identidade do outorgante, e de sua liberdade na outorga do mandato, não nos parece padecer dúvida que hoje em dia, salvo os casos a que nos referimos quando tratamos das exceções para exigência de instrumento público, o instrumento particular deve ser aceito nos demais casos.
            Mesmo quando a lei exija a prática de um ato ou a realização de um contrato por instrumento público, como acentua com clareza Plácido e Silva, "o ato jurídico, que se revela pela procuração, nada tem a ver com o preceito, que impõe forma solene ao negócio, objeto do mandato".
            No mesmo sentido se manifesta Carvalho Santos, dizendo ser incontestável que, ainda que o ato, para o qual é outorgada a procuração, exija escritura pública, pode a procuração ser dada em instrumento particular.
            A procuração por instrumento particular, em princípio, deveria ser escrita e assinada pelo outorgante e, anteriormente, a feitura da procuração particular por mãos alheias era prerrogativa de determinadas pessoas ou exercentes de certas atividades (Código Comercial, art. 21) como comerciantes, corretores (artigo 1º, § 4º do Decreto 1.026, de 14-11-1.890), mas hoje em dia, ao arrepio de determinados dispositivos legais, a procuração por instrumento particular, feito por mão alheia, digitado ou impresso, é genericamente usado. Dessa maneira, as procurações judiciais habitualmente são impressas, contendo o nome do advogado outorgado, completando-se mecanicamente os elementos necessários.


MANDATO COMERCIAL

            O mandato comercial, na conceituação do Código Comercial, artigo 140, opera-se, "quando um comerciante confia a outrem a gestão de um ou mais negócios mercantis, obrando o mandatário e obrigando-se em nome do comitente".
            Este artigo, combinado com o de número 154, que institui a condição onerosa do mandato mercantil, possibilita estabelecer seus elementos principais, que também o distinguem do mandato civil. São eles:
            a) ser o comitente comerciante;
            b) possuir por objeto ato ou negócio comercial;
            c) ser oneroso.
            O Código Comercial, no mesmo artigo 140, fixa a necessidade de instrumento público ou particular para a constituição do mandato mercantil, mas no mesmo dispositivo prevê a possibilidade da existência de mandato verbal ou tácito.
            O mandato requer instrumento público ou particular, em cuja classe entram as cartas missivas; contudo, poderá provar-se por testemunhas nos casos em que é admissível este gênero de provas.
            A hipótese refere-se à situação capitulada no artigo 123 do mesmo Código.


DIVISÃO DO MANDATO

            Divide-se o mandato em:
            a) Civil ou Comercial, quando seu objeto for negócio civil ou comercial, exigindo-se ainda, na hipótese do mercantil, a qualidade de comerciante para o comitente;
            b) Gratuito ou Oneroso, se alguma remuneração foi ajustada ou não pelo seu cumprimento.
            É interessante evidenciar que o mandato civil é presumidamente gratuito, exceto se o seu objeto for daqueles em que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa, sendo o mercantil presumidamente oneroso.
            Entretanto, isto não significa que o mandato civil ou comercial não possa ser, cada qual, gratuito ou oneroso. Depende da vontade das partes, sendo esta particularidade irrelevante à plena existência e validade.
            c) Expresso, Tácito e Verbal, quando o mandato foi constituído por qualquer meio inequívoco, decorrer da situação entre mandante e mandatário ou ainda houver sido instituído de viva voz.
            No mandato expresso, a vontade do mandante e mandatário se manifestam de maneira a não deixar dúvida, seja por escrito particular, seja por instrumento público, ou, sendo verbal, proferido na presença de testemunhas.
            O mandato tácito origina-se da presunção do consentimento do mandante, para que outra pessoa pratique atos em seu nome.
            O mandato verbal, como o seu nome indica, forma-se por meio de palavras, ditas de viva voz, ainda que por intermédio de microfone ou ondas de rádio. O mandato verbal, como o tácito, prova-se por todos os meios permitidos em direito.
            d) Judicial ou Extrajudicial, quando o mandato é instituído para produzir seus efeitos na esfera forense ou fora dela.
            No mandato judicial, conferido a pessoa legalmente habilitada para atuar no foro, é uníssona a doutrina em afirmar que, paralelamente ao mandato, subsiste um contrato de locação de serviços. O advogado, constituído mandatário, é ao mesmo tempo representante e locador do seu trabalho profissional.
            e) Geral ou Especial, se o mandato abranger todos os negócios do mandante ou, especificamente, um ou mais negócios. O mandato geral, na forma do artigo 661 do Código Civil, apenas confere poderes de administração.
            f) "In Solidum", quando o mandato é conferido a vários mandatários, podendo qualquer deles sair isoladamente e independentemente da ordem de nomeação, como se fora único, na consecução do seu objetivo (artigo 672 do Código Civil).
            g) Revogável ou Irrevogável, se o mandato pode ou não ser revogado a arbítrio do mandante.


OBRIGAÇÕES DO MANDATÁRIO E DO MANDANTE,
RESPONSABILIDADE RECÍPROCA E COM TERCEIROS


            O mandatário está obrigado, na execução das tarefas previstas no contrato, a agir diligentemente, obrando como se o negócio fosse seu, dentro dos poderes conferidos, empregando todos os meios ao seu alcance na conclusão satisfatória do negócio, possibilitando dessa forma, ao mandante, auferir as vantagens e finalidades determinadoras do mandato, sob pena de responder pelos prejuízos a que sua atuação der causa.
            Evidentemente, não cabe qualquer responsabilidade ao mandatário se, agindo dessa maneira, os objetivos não forem atingidos por motivos alheios.
            É necessário, entretanto, que o mandatário atue nos exatos termos dos poderes recebidos, pois, em caso contrário, excedendo-os ou obrando contra eles, passa à condição de gestor de negócios, e, conseqüentemente, único responsável por seus atos, seja perante o mandante, seja com relação a terceiros.
            Conquanto sejam os atos praticados em excesso ou à revelia dos poderes conferidos, pode o mandante ratificá-los, e assim reassume a plenitude da responsabilidade pelos mesmos.
            Estão consignados nos artigos 667 a 674 do Código Civil os deveres do mandatário, cujo descumprimento acarreta a obrigação de indenizar os prejuízos havidos.
            Quanto a terceiros que contratem com o mandatário, obviamente devem conhecer a extensão dos poderes conferidos pelo mandante, exigindo daquele a exibição do instrumento do mandato, pois os atos praticados que exorbitem deles não obrigam o mandante nem o mandatário, salvo se este prometeu ratificação, obrigou-se pessoalmente ou não apresentou a respectiva procuração.